AÇÃO DA MACONHA NO SISTEMA NERVOSO CENTRAL

AÇÃO DA MACONHA NO SISTEMA NERVOSO CENTRAL

Drauzio – Como age a maconha no sistema nervoso central? O que explica que algumas pessoas experimentem uma sensação de paz e tranquilidade, enquanto outras se queixem de delírios persecutórios?

Elisaldo Carlini – As viagens boas predominam sobre as alucinações, delírios persecutórios, medos avassaladores. Se não fosse assim, o uso da maconha não seria tão difundido.

Até 1964, quando foi encontrado e isolado o tetraidrocanabinol (THC), sequer se conhecia o princípio ativo dessa planta. Tal descoberta deu lugar a dois questionamentos. Primeiro: se existe o THC, uma substância pura que age no cérebro, nele deve existir um receptor programado para recebê-la. Segundo: se esse receptor existe, nós devemos produzir espontaneamente uma espécie de maconha interna para atuar sobre ele. O passo seguinte foi descobrir que todos os cérebros fabricam uma substância endógena, uma espécie de maconha interna que foi chamada de anandamida, palavra que em sânscrito quer dizer bem-aventurança. Disso resultou uma série enorme de cogitações científicas. Por exemplo: se todos têm um sistema canabinoide que age no cérebro, será que doenças mentais não poderiam resultar de alterações no funcionamento desse sistema?

Outro aspecto que está sendo muito discutido é a relação entre esquizofrenia e os grandes usuários de maconha. Muitos estudiosos levantam a hipótese de que não são as pessoas comuns que se tornam dependentes. Seriam as portadoras dessa doença que desenvolveriam extrema dependência da droga na tentativa de automedicar-se sem ter o conhecimento exato do que estão fazendo.

Na esquizofrenia, existem algumas características chamadas de sintomas negativos. Os pacientes apresentam grande achatamento do afeto. Não vibram com nada. Morrer a mãe ou ganhar um prêmio na loteria dá no mesmo, pois são incapazes de serem tocados pelas emoções e isso faz falta para o ser humano que precisa estabelecer relacionamentos afetivos e experimentar alegrias e tristezas. Parece que a maconha estimula a evocação de sentimentos e sensações que essas pessoas desconheciam e disso decorreria enorme dependência. Com base nesses dados, está sendo estabelecida nova teoria sobre os efeitos da maconha.

GRAU DE DEPENDÊNCIA DA DROGA

DrauzioOs usuários costumam queixar-se da qualidade da maconha atual. Será que a droga perdeu realmente a qualidade ou, à medida que vai sendo usada, induz tolerância e são necessárias doses cada vez mais altas para produzir o mesmo efeito?

Elisaldo Carlini – Isso depende. É verdade que há indivíduos que ficam dependentes da maconha, mas quero frisar que essa não é a regra geral, não é o que mais preocupa. Fiz parte de um grupo da Organização Mundial de Saúde que estudou o problema do uso cultural da maconha e tive a oportunidade de verificar que grande número de pessoas não se torna dependente. Vi, por exemplo, em Atenas, na Grécia, estivadores saírem do porto no final da tarde e se reunirem nos bares para fumar haxixe, uma forma concentrada de maconha, como se estivessem tomando o chá das cinco. Os psiquiatras gregos que nos acompanhavam comentaram que se tratava de um encontro meramente social repetido todos os dias e que não havia indicação de dependência da droga nessas pessoas.

Além disso, a maconha foi considerada um medicamento valioso no século XIX e nos primeiros 30 ou 40 anos do século XX. Nas farmacopeias americana, inglesa, brasileira, e nos livros de medicina dessa época, é possível encontrar receitas de maconha para uma série de distúrbios. A maconha tem esse lado contraditório. A literatura está repleta de trabalhos sobre as misérias humanas e sobre os benefícios terapêuticos, que não são poucos, que essa droga produz. Por exemplo, nos casos de esclerose múltipla e de dores neuropáticas, seu efeito não é desprezível.

MACONHA E MEMÓRIA

Drauzio – E em relação à memória, qual é o efeito da maconha ?

Elisaldo Carlini- Em relação à memória, o efeito da maconha é bastante curioso e foi muito estudado em nosso departamento. Ela bloqueia a memória de curto prazo, isto é, a memória de pequena duração da qual precisamos num determinado instante e da qual nos desfazemos em seguida. Por exemplo: ao ouvir os números de um telefone, se tivermos que procurar papel e lápis para anotá-los, eles se esvairão de nossa memória e seremos obrigados a pedir que sejam repetidos, o que não acontecerá se tomarmos nota imediatamente.

No entanto, muitas pessoas costumam queixar-se de lapsos de memória quando fumam maconha. Foi o que aconteceu com uma moça que trabalhava no PBX de um hotel e não conseguia completar as transferências de ligação porque se esquecia do número pedido segundos antes, o que não ocorria se não estivesse sob o efeito da droga, e com o jovem bancário que, mal acabava de atender um cliente no balcão, se esquecia do nome que deveria procurar no arquivo.

Esse efeito, que de fato existe, pode trazer grande prejuízo especialmente para os estudantes. Quem vive chapado o tempo todo não consolida a memória de longo prazo, uma vez que ela se solidifica pela repetição do que é registrado na memória de curto prazo. Trata-se, porém, de um efeito transitório que desaparece quando a pessoa se afasta da droga.

Existe outro efeito curiosíssimo da maconha: ela diminui a taxa de testosterona circulante nos homens e reduz o número de espermatozoides, embora não os faça desaparecer completamente. Não interfere na libido, mas, se o homem quiser ter filhos, fumar maconha é mal negócio. Num congresso nos Estados Unidos, levantou-se até a possibilidade, não comprovada, de que seu uso constante pudesse representar o primeiro anticoncepcional masculino. Nesse caso, também, suspendendo-se o uso, a produção de espermatozoides volta ao normal.

Fonte: Dr. Drauzio Varela

Deixe um comentário